O Mecanismo (2018)
A
nova produção nacional da netflix, O Mecanismo, trata de questões polêmicas e
sensíveis de forma arriscada, montando um panorama importante através de um
trabalho intenso de produção mas não isento de problemas.
Na série,
Verena Cardoni e Marco Ruffo investigam um esquema de fraudes financeiros de
Roberto Ibrahim, mas através desses movimentos, que ficaram conhecidos como
Operação Lava Jato, os policiais descobrem que tal investigação pode não ser
tão superficial, levando a descoberta de um sistema de corrupção com grandes
consequências para o país inteiro.
Antes de
tudo, vale a pena ressaltar que o objetivo aqui é analisar a série como uma
obra de audiovisual e os elementos utilizados em sua construção. É sabido que
os acontecimentos da trama muitas vezes diferem da realidade das investigações,
esse ponto não será parte da discussão já que a finalidade é tratar dos
aspectos técnicos da criação, não das implicações políticas. Dessa forma, as
críticas são realizadas sabendo-se do poder dos produtores em articular as
tramas de forma a funcionar melhor em termos narrativos, independentemente se
os relatos são inteiramente verdadeiros ou não.
A direção
está nas mãos de um dos maiores cineastas nacionais da atualidade, José
Padilha, responsável também por Tropa de Elite. Quase não é preciso dizer que
ele sabe dirigir, utilizando de recursos como movimentação de câmera, zoom, cortes rápidos em sequência, bom
uso da trilha sonora em suas elaborações, tudo bem pensado para fazer sentido
dentro da própria narrativa e causar um impacto no telespectador. Outro ponto
importante de direção é o ambiente de tensão que o Padilha cria aqui, sobretudo
nos primeiros episódios. Ele segura a expectativa de modo a criar uma
curiosidade sobre os desdobramentos seguintes, até o momento em que temos a
resolução daquela sequência com um sentimento de recompensa. Também há um bom
trabalho de montagem nesse sentido que merece reconhecimento.
É notável
uma preocupação bastante genuína em contar os acontecimentos de forma clara.
Trata-se de uma série lançada na netflix, uma plataforma com alcance a vários
países, portanto não são apenas brasileiros que irão assistir e é muito
importante que a história seja compreendida por todos para ter um significado.
Padilha entende essa necessidade e monta o cenário com uma linguagem
explicativa inteligente através de um recurso característico do diretor, a
narração. É um elemento aparentemente simples, mas que na verdade é bem difícil
de se trabalhar, erros nesse processo podem tornar o roteiro preguiçoso ou
óbvio demais quando assume a burrice de quem assiste e acaba narrando o
desnecessário. Mas esse não é o caso em O Mecanismo, temos as vozes de Verena e
Ruffo acompanhando a narrativa com a finalidade de explicar seus planos e
consequências complexas. Talvez o único exagero nesse sentido de tornar a
história clara sejam as repetidas mudanças de cidades que o roteiro exige, o
diretor usa planos de um lugar conhecido com o nome dessa cidade escrita na
tela sempre que a narrativa viaja entre elas, eu perdi a conta de quantas vezes
o Jardim Botânico de Curitiba aparece para explicar onde vai se passar os
próximos acontecimentos.
A série
começa muito forte e sem perder tempo, já te coloca dentro da história e
apresenta pelo menos quatro episódios muito engajantes. Depois disso, senti que
a série perdeu um pouco a força conforme as investigações vão se abrindo. É
mais interessante quando temos o foco central no envolvimento do Ibrahim e do
João Pedro Rangel do que quando as proporções aumentam de forma a abranger os
empreiteiros, momento em que é possível perceber algumas facilitações de
roteiro.
Além disso,
também tenho uma impressão que esse desinteresse crescente tem relação com o
personagem do Ruffo, interpretado pelo Selton Mello. Quem assistir vai entender
o que estou tentando dizer, mudanças no roteiro implicam em maiores participações
de Ruffo. O ator faz um trabalho legal mas o personagem tem uma necessidade de
tentar descobrir as coisas por ele mesmo e sinto que a série tenta dizer que
sem sua inteligência nenhuma dessas descobertas teriam sido feitas, a subtrama
que envolve sua família também é pouco desenvolvida. A questão é que é mais
interessante ver a delegada Verena do que o Ruffo. Na verdade, para mim ela é a
verdadeira protagonista da série, não sei porque o Selton Mello aparece nas
capas de divulgação e não ela, talvez acharam necessário que uma figura masculina
deveria fazer esse papel e que uma mulher não teria a mesma força...
De qualquer
forma, não é essa a realidade da série. A Caroline Abras é superior e poderia
ter levado a série sozinha, sua personagem é sagaz, comprometida com a justiça,
cada sucesso dela torna a trama mais interessante e sua força é muito bem
estabelecida, fazendo a atriz ter uma grande presença em cena. O ponto fraco da
personagem é quando ela está perto do Claudio, interpretado por Lee Taylor. Os
desenvolvimentos do roteiro que envolve os dois é bem bagunçado, há um vai e
volta de atitudes sem muita explicação. E quanto ao personagem do Claudio em si
não entendi muito bem sua execução, ele tem uma ambiguidade com bastante potencial,
mas que não fica muito clara, é como se nem o próprio personagem soubesse o que
está fazendo ou porque toma certas decisões.
O Mecanismo
é uma série que trouxe uma ideia bem interessante sob o comando de uma mente
experiente e, mesmo apresentando inconsistências, é uma ótima dica de série que
dá para assistir em um dia só.
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